domingo, 6 de setembro de 2009

Os Hormônios no Espelho.


"Os Hormônios no Espelho"


Entorpecida pelo reflexo do espelho, deixei o tempo erguer-me aos ventos tempestivos da imaginação.
“Estrógeno, progesterona, testosterona” Que outros nomes complicados irão surgir para justificar estas distorções de minha imagem envelhecida que avança cada vez mais no tempo? Preciso culpar o tal de estrógenos porque os meus seios não apontam mais ao horizonte? Preciso jogar praga na complicada progesterona por fazer de minhas entranhas um túmulo escuro e frio, fazendo cessar de vez qualquer semente que outrora fecunde?
No reflexo do espelho vejo apenas lembranças quando a testosterona parecia explodir em meus poros dourados, suados e exitados em momentos fortuitos. E ainda que eu tente rasgar um sorriso, a lembrança que antes me levava a viagens enlouquecidas, me trás agora em banhos repentinos e nostálgicos à realidade de minha imagem no espelho, afogada em hormônios passados.
De maneira cíclica os níveis desses hormônios que sobem e descem sempre influenciaram minha vida, o meu corpo, a minha mente. E quantos “nãos” que eram “sins” esvoaçaram em chances perdidas de meus caminhos confusos, ou “sins” que deveriam ser “nãos” que romperam minhas defesas, os meus limites e a alma, fazendo-a fria e sem rumo.
Quem dera ter ignorado a natureza e ter se dado por completa ao marido alucinado; Quem dera ter coberto de beijos os filhos aturdidos vitimados por um estresse volúvel e bobo de uma TPM qualquer. E ainda quem dera em meus calores súbitos, ter silenciado minha boca antes de proferir a verdade na hora errada ao amigo chegado, ou ter levantado a bandeira em punho reivindicando que a mentira se aflorasse na hora certa diante ao inimigo pessoal.
Cada gota de hormônio, uma lembrança afogada. Agora, no espelho, a fonte secou. O reflexo ainda que brilhe, desnuda o corpo que silencia em uma pele opaca com rugas profundas onde um dia algum hormônio passou. E quem dera minha imagem aqui ficasse como aviso para quem aqui passasse que não se deve nadar a favor, mas contra a correnteza, pois se depender da marola, os hormônios nos levarão por situações nunca antes pressentidas e talvez, sem retorno.
Hoje eu sei olhando para o espelho, para o meu reflexo, para os meus cabelos brancos sentindo o cheiro fraco de minha fragrância amiúde, que sempre desejei ter saciado a minha prole através de minhas mamas, com o líquido mais eterno do conhecimento, do que ter dado o leite branco sem a força da proteção extintiva.
“Mãe?” Virei-me bruscamente e pude ver o mesmo reflexo naqueles pequenos olhos azuis que pareciam não compreender o porquê eu respirava ofegante. Quando olhei o relógio vi o quanto estava reflexiva e atrasada. Vesti-me rapidamente e saí do quarto aos pulos deixando um rastro de perfume melodiosamente suave, e um reflexo rápido no espelho, de uma mulher jovem e ruiva, com uma bagagem de muitos anos ainda por vir. Prometi a mim mesma nunca mais ficar horas no espelho. O susto foi grande e os hormônios, não esperam.


João Carlos.